terça-feira, 24 de agosto de 2010

Elephant Gun

Bebo como um miserável
Em busca de algo perigosamente inalcançável.
Bebo, apenas.
A suja fumaça do cigarro embala
Uma canção interminada,
Um caminho interminável
....................que se dissolve
......por sobre meus olhos
................até onde
.....................não consigo alcançar.
A palavra por si só me basta: Mas não apenas.
É preciso o fogo, a agulha, o trovão...
...............O isqueiro que ascende por inteiro
........o meu etinerário,
.................o meu precipício
.............................minha dissolução.
Um telefonema mal respondido
....E um caso completamente inacabado;
Enquanto isso,
............eu piedosamente me embriago,
......Mas sem nenhum sentimento de resolução
...............ou compadescência,
.....................somente a consciência plena de que nada adianta
............E nada retomará ao seu antigo lugar.

Como um suicida que se deixa seduzir pelo cano gelado
Ou pelo gosto intragável que se alastra
...................................dentre sua garanta
.....................caio, solenemente, como uma pluma
.................em meio a uma viela não memorizada
............................uma estrada embasbacada
........................um meio-dia que nunca há de se cumprir...
....................Em pleno amanhecer desesperançado
................que nada espera, se não, a ressaca que vem
................................................das ondas que nada trazem,
........................a areia nada resigna
.................................e apaga os passos já dados;
.....Esta noite, bebo para morrer... Esta noite,
....................................e apenas.

sábado, 21 de agosto de 2010

A Noite [Deformado pela preguiça]

A Noite

"Like an actor all alone".
(The Doors)

A noite cai como um chiste

Como um flerte que não faço
à ninguém,
Como uma tormenta,
Uma chuva que me alegra.

Há um assassino na noite,
mascarado,


E não obstante,
a rua encontra-se deserta.
Há fumaça no céu,
evaporação e sussurro:

Meus próprios passos parecem me seguir;
Imperdoáveis e dissimulados,
tomam a força do mar para si.
Encontro-me com o estripador,
Sua máscara (sem face)
emcobre-lhe o rosto.
E não há como lhe mostrar.
Entrecortamo-nos.
Sua presença, vulto das 3 da madrugada
Se dispersa em meus olhos.
Nesta noite,
Não há ninguém além de mim.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Ser (e a Fumaça)

..........................................................A Octavio Paz, em póstuma homenagem


Não... Este caso não é verídico. E não, não deveria nunca ter sido narrado: O que aconteceu deveria ser deixado preso na retira dos presentes, e daqueles ausentes, que se cravaram dentro daquele instante. Não, isto não é real. A realidade como o senso comum conhece não se aplica a tais condições, e no entanto, este é o mais próximo da realidade que se pode chegar. Uma subjetividade distorcida e dissonante, que ressoa como música de guitarra em alta amplitude por entre os ouvidos desprotegidos. O que foi feito desfeito não será, e no entanto, se multiplicará de acordo com a perspectiva em que se observa. Acima, apenas a lua os vigia.

Caminham lado a lado dois corpos, estrelas obscurecidas pelo brilho ofuscante da rua. Caminham, sem nomes e sem pesares (aprentes), como dois astros que se acompanham em meio à uma constelação de anônimos e indivíduos. Cantarola-se à noite uma valsa, um samba, uma música rara e qualquer, que se comunica sem saber com o satélite claro que os observa. Branca, a lua, os ilumina em sua profusão de assuntos, feridas que se alimentam, e aumentam, através de um sangue que verte neutro e quente, e se torna tinta fresca por cima do chão de asfalto.

Dois corpos, em meio à um deserto de pedra, concreto, prédio, pedregulho, uma sonoridade diferente de um dos habituais. Muro que se parte, e se renova, construção levantada abaixo do céu, e que no entanto, parece o tocar e ferir. Como uma agulha ou alguma outra coisa, que o perfura e penetra, sem no entanto, desta vez, o estrangular em sua profusão negro-estranha-e-azul. A paisagem se dá como uma fotografia, ou um desenho de muito bom gosto, feito por mãos indubitavelmente habilidosas, que não deixam escapar em sua abstração nenhum detalhe. A noite se vai assim, clara e perfeita, como num conto...

- Sabe? Eu estou emocionada... Disse um dos corpos, cortando o silêncio como relâmpago.

- Com o quê? Indaga o outro, com uma voz mansa, respondendo em seguida, como um clarão.

- Eu não sei... Eu não sei... Só sei que estou. E responde em eco como um trovão que segue e soa ao longe, sem no entanto, se importar, se avisa de fato, ou não.


A imagem os toma como numa tela de cinema, possuídos pela arbitrariedade visual que os pondera, se entreolham, se imaginam, figuras incondicionavelmente desconexas, mas que neste instante pertencem ao mesmo quadro, e sem ferir, completam-se sem maior estranheza. Tons terrosos, e quentes, e negros, e frios, se punham na mesma tela; Se harmonizavam com uma graça exemplar. Eram assim, dois corpos, enfileirados, frente a frente, pictografia que se rodeia com a câmera bem apontada, e no entanto, nunca suficientemente próxima.

Andavam pela grande avenida, direcionando-se à um lugar comum, à contra gosto, a contra-senso, contra, e a favor; A noite os guiava com sua brisa fria, e os direcionava à uma estação qualquer, embora bem definida. Se abraçavam e se beijavam ao rosto, como bons amigos, e bons irmãos, enraizados nas entranhas da noite desfigurada, que os proferia a caminhos tortuosos, e ruas mal habitadas. Enraizados, acima de tudo, mantinham-se firmemente a caminhar entre sotaques, e sustos, imprevistos não avisados, e não acostumados a acontecer. Trocavam palavras de teimosia, e sinceridade, risos, brisas breves, brigas sutis, que os faziam sorrir, logo em seguida. Com os dentes à mostra, mas nunca ameaças. Era a noite quem os observava. Não eu, não os transeuntes, não aqueles que do outro lado da rua despediam-se da cidade e preparavam-se para saltar ao ônibus, ou tomar um lugar apertado no trem. Era a Noite quem os comtemplava, enquanto os braços se apertavam, os risos se trocavam, e subitamente, os lábios se tocavam. Era ela quem se regojizava, neutra, por aqueles dois corpos, que em meio à multidão distonavam com sua inefabilidade.

-Calma... Disse ele, rindo-se.

- Desculpa, problema de intensidade. Respondeu ela com um rubor no rosto, suavemente, entre a timidez aparente, e séria.

- Não, tudo bem, não é problema de intensidade, é problema de intensidade na Central...


E assim, esquecendo-se da multidão ao redor, se dependuravam por entre a imensidão que os cobria. Dois corpos. Conversando-se, explicando-se, deixando-se, ainda que por um instante, se dissolver. Nas ruas da avenida, e da grande estação que ligava o coração ao Brasil; A espera de uma condução que sempre tarda. Pulsando como fogo, como o comboio que trepida nas linhas férreas dos trens, como a palavra que se profere inesperada da pena forte do poeta por cima da página em branco... Dissolviam-se os dois corpos, frente a frente, enlaçados, petrificados, emaranhados, com uma sutileza breve e nada leve, de quem nunca se põe a dormitar, sem entretanto, sentir a presença indiferenciadora do cansaço.

Eram, naquela noite, antes da próxima parada, dois astros a cair em um céu vazio.