terça-feira, 27 de abril de 2010

Diálogos - Breves Divagações I

Breves Divagações - I (28-06-2009)

- Vocês filósofos são muito pragmáticos...
- E vocês, artistas, são muito livres...
- Você tem medo da liberdade, não tem?
- E não é isso que corrompe o homem? Essa busca intensa por ser livre sem nem ao menos saber o que procura... Sem nem, ao menos, saber que é impossível...
- Então você tem medo de se destruir. É isso que me parece...
Disse Morpheus com os olhos severos e brilhantes, como o de um arqueiro que acerta em cheio um alvo veloz.
- Mas não é isso que faz o homem agir com dignidade perante a sociedade? Evita-se destruir para evitar ser destruído...
- Mas não é a sociedade, que tornando incapaz, o homem, de ser algo que lhe é próprio, o torna infeliz?
- Há essa alternativa... Porém, não é a falta de maleabilidade do homem inapto à sociedade, que o torna prisioneiro de seus próprios ideais?
- E não é papel da Filosofia libertá-lo?
Neste momento Wilhelm ficou em silêncio e olhou fortemente para o homem que o indagava, a boina desajustada à cabeça, a camisa de linho branco semi-aberta, os olhos ferozes e sorridentes que o indagavam incessantemente...
- Parece que estou certo, não?
- Este não é um caso de estar certo ou errado, e você sabe disso...

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domingo, 25 de abril de 2010

Urbanismo

A paisagem urbana me distorce e me estrangula, dormente tateio de maneira descompassada a origem. As metáforas se embolam dissonantes às letras, e se afastam de algum sentido superior. Na superfície me entre-olho; seus são negros e ocos, como o mais profundo mar de estrelas encobertas. Respiro fundo. O ar nada passa por entre a película invisível que cobre meus pulmões, e a noite se dissolve em cacos de neon: Vidro fosco e florescente que respinga líquido por cima de minha cabeça, e sob meus pés, desenha inacabada uma manhã.
Entre-abro os passos pela garganta engolfinhada da cidade, ela me permeneia e me encobre, tornando-me inseparável de sua matéria fundamental, e principalmente, irreconhecível. Não me distinguo, e apresento-me ao Nada de maneira insincera. Insensível não sinto a dor da lâmina perfurar o meu peito, a pólvora e o cabo me transparecem, entretanto, sem nenhuma limpidez. Eu me recosto e desapareço. Ressurgindo, no entanto, úmida e afogada 'num copo de cerveja, que política, me bebe muito bem. Espremendo-me com suas mãos fortes, calejadas, mas, no entanto, enuviadas por uma luva de concreto. Digesta, percorro sem a certeza de um corpo, e me ponho no alto dos arranha-céus, tal como corvo ininteligível por entre as sombras; Grito impropérios e palavras de ordem... Atirando logo em seguida.
Bruscamente me interrompo: Esta noite, (acima de tudo), serei nua e crua, como as entranhas do Rio de Janeiro.

sábado, 24 de abril de 2010

Balada Marítima I [Entre o Poema e Ipanema]

Balada Marítima

I

"Basta em si apenas/ Suas metáforas e mecânicas,/
Dissoluções verde-olhar/ Que penetra(m) em espuma/
Os pés que se transmutam/ líquidos, e se dissolvem/
voltando à forma originária/ Onde Tudo é Um."

Só, o mar é pleno.

Emanto o corpo e a corda
Que desfragmentam entre braços
A suave canção que me aninha.
Sou arremessado
Entre rochas e Vazio, enquanto
inerte de qualquer ação, se não Céu.

Não me empenho em lutar:
aceito a água como se aceita o sol em dias de verão,
......................[como se aceita o verão em dias de sol]
Sem tormenta ou exaspero,
Apenas regozijo brando e branco,
E então, esqueço-me de tudo.

(Não pensar se torna o princípio de tais coisas)

Na ausência se instaura: O sentido,
Segundo frígido e frágil,
Em que tudo torna a acontecer
De maneira inesperada e mecânica;
Como as ondas, que se chocam
E me alimentam com sua força e violência,
Rodam dos reglógios os ponteiros,
Ossos que explodem em engrenagens
E tornam-se se não areia,
Fina calidessência do mar e do pano
Que cobre o tempo e o cosmos.

Sem que eu possa ter sequer reação...
Fecho-me os olhos,
..................................deixo-me afundar...



(...)



Abro os olhos e acalanto,
Ultramarino decomponho-me em sal.

Beijada é minha face sobre a superfície,

Tenho (entre os dedos) uma gaivota;

..............................Em cima de uma pedra
................Com um relógio preso ao corpo
................Desfiguro as horas fugidias e sorrio;
................- Agora eu sei como é morrer no mar:
.......................É morrer e encontrar-se vivo.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Dissolução

Dissolução

As coisas se dissolvem: tornam-se uma
Multiplicam-se unissonoro
E revertem-se em acorde (composto e integral),
Como os raios de concreto,
Como os trilhos da cidade,
Como os edifícios que se levantam agudos no corpo;
- Suave mutação amórfica de Ser:
Capacidade de se modificar
E tornar-se reflexo da noite,
Sombra das estrelas,
Ausência visual de olhos sem cor.

Sílabas cavalgam em forma de espírito:
Uma partitura desenhada na ponta da faca.

domingo, 4 de abril de 2010

Decomposição [Meia-Entrada Prematura na Floresta do Nada]

Decomposição

Resta na noite inconcebível a imagem do Nada. Por entre suas ramas e folhagens neutro-escuras estende-se a luz esverdeada, que permanece dentro-externada em cada um de nós. Meus dedos se alinham nos joelhos, e de meus olhos nada tenho, se não, a visão fugidia de meu interior desfragmentado, opaco por entre o peito e os ossos cardíacos, que formam uma armadura impenetrável de sangue oco e fétido.
Resta na tarde sonora o sol quente e vazio que expurga e espreme de meu corpo as feridas, querendo me fazer correr caminhos à fora, entretanto me internalizando de maneira doentia e abafada. Me torno translúcido como alabastro, seus raios e sua luz atravessam meu corpo sem nenhum sinal de comoção, apenas um calor morno e seguro que se estende até meus dedos, dissolvendo-os em tinta uni-sonora.
Na manhã, não resta mais nada. Decomposto, apresenta-se dissolvido o corpo e a capa. Acusado, as vibrações depostas da lua deixam-se de ressoar por sobre a silhueta, que imaterial permeneia a imagem em mil vultos multi-mórficos, como sombras de essências que ousam escapar de abrigo íntimo, e se expõem diante dos olhos amarelo-carmesim que se levantam ferozmente. Estende-se a não-imagem diante do retrato, e ressonante se compõe multi-angular nas formas e nas faces, que assimilam-se a si, sem entender, ou saber, apenas aceitando-a como conjunção, que intrínseca se funda no Tempo e no Nada; (pois passando a Não-Ser, o Ente torna-se Tudo, pois deixa de Estar).