terça-feira, 6 de julho de 2010

(Des)Classificação

"Tanto o Leitor, quanto o Poeta, têm de escutar o Vazio, desaventurá-lo, desfigurá-lo, sem jamais tapar os ouvidos, que atentos sempre devem estar ao som do Nada, que se levanta e se retrai, para que assim, se descubra o caminho por onde tateante segue..."


O que faço não é filosofia. Sou uma imagem não pertencente às estruturas, às academias empoeiradas, janelas semi-fechadas, e silêncio soberbo, cego em falsas razões. Mas também não sou poeta, meus versos cantos tortos que não sabem falar de amor, e muito menos elevar a vida, não são vinho, deleite na boca açucarada, refrigério ao corpo enclausurado; meu verso é aridão, concreto cósmico. Sou um mestiço, sem pátria ou nome, vagando por entre um deserto tenebroso que me fascina com suas luzes fátuas, que vem de seu interior entranhado.

Não tenho lugar algum, meu espaço, vazio inoculável, se estende até depois de meus olhos, que mal enxergam à distância. Minha pátria se forma na ausência, profundidade que se constrói nas paredes de minhas artérias e se funda em minhas células originárias, como algo que se forma em discurso. É uma re-invenção metamorfa que se formaliza a presença que só se vê quando se abdica a esperança e toma a grandeza do pensamento para si; E então treme-se com a pólvora entre os dedos.

Neste momento, eu não me sou: Já não sou mais eu! E entendo a ferocidade dos tecidos anteriores, panos fundados entre as trevas do interior humano, enterrando-se na parte mais dura e gosmenta do cérebro e do sangue: Pensamento cinza e aterrador, que torna todas as cores possíveis; vivas ou mortas. Cores que alimentam as presas de aço e os olhos de besta, e apossam-se do corpo, matéria frágil que se constrói monumento infinito e passageiro...

Sento-me sobre a bancada. Ao meu lado homens discutem os problemas de nossas épocas, formando teses e teorias que tentam organizar as nossas dores mais sutis, lustrando nossos grilhos, fingindo assim cingir a fechadura, sem no entanto, não fazer nada mais do que dar nomes e mais nomes, sem se dar conta de que nomear é criar, e tudo é invenção. Levanto calmamente o meu rosto, o vento abafado se arrasta do norte e me beija e morde as bochechas. Meus olhos lacrimejam com a temperatura que se eleva, e olho adiante. O cheiro de vinho apodrecido se instaura em minhas narinas e as faz arder. Ao longe, Outros bebem, embriagam-se em afogamentos de glórias e derrotas, rindo alto em seu delírio atemporal, como um sonho que foge do controle. Para eles, apenas consigo sorrir piedosamente, porém, ausento tirar sequer uma nota de escárnio desta gargalhada insonoramente afiada.

Levanto-me e olho ao ermo. O deserto se instaura em mim, e eu tomo parte dele, sem no entanto, dissolver-me por completo. Continuo a vagar, o vazio sussurra em meus ouvidos, e o esquecimento se enverga em minhas orelhas, falando-me segredos de eras remotas, e de labirintos sem saída: Começar a partir do Nada e da perda, e instaurar-se entre as estrelas.

(A negação de toda a existência dentro do enfoque de toda a permanência)

Desconstrução Perpétua que se faz contínua e derruba barreiras postas à beira-mar, trincheiras desfeitas nas costas da praia, construindo, com os respingos das ondas, partitura de música mecânica, levando além o som de todo significado, sem nunca, em questão, se finalizar. E eu, sem lar, nem rumo, vago através destas pausas e ritornellos, sem procurar saída ou fundamento, apenas contínua audição da música, desfragmentando-me em nota surda e dissolvendo-me entre os ouvidos mortos, que por sua ousadia, pagam com a vida o preço de escutar as notas infinitas; (e ainda pior, de ajuda-las em se compôr!)

Um comentário:

  1. O vazio não tem ódio nem solidão, não conhece por que o conhecer é uma ilusão na qual não cai, e tampouco tem, porque ter é enganar-se. Então, pátria, "eu", destino, sentimentos, são representações antigas e passadas do presente mais além do Nada.

    O que queres, então?
    Por quê?

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